Rituais da Nação Ijexá no Rio Grande do Sul

A religião de origem africana é cultuada no Brasil desde o século XVI. Os negros oriundos de diversas etnias trazem em seu ser, a intimidade com rituais milenares do culto aos Orixás e seus antepassados, os Eguns.

No Rio Grande do Sul, os escravos marcaram nossa cultura com o que tinham de melhor, ou seja, a sua religiosidade, no que ficou conhecido mais tarde como Batuque. Os iorubás tiveram uma participação mais intensa no espírito da religiosidade e nos mitos e rituais que acabaram de servir de modelo a todos que praticam a cultura africanista no estado.

O termo batuque surgiu entre nós como uma onomatopeia, porque esta palavra no original servia para se referir a dança, passando mais tarde a significar a própria religião dos negros africanos do RS. A palavra “Pará” referia-se ao quarto destinado aos orixás, e não a religião em si como escrevem alguns autores. Os antigos ainda se referem ao quarto de santo chamando-o de “Pará”.

As nações denominadas iorubás no Sul do Brasil seriam os rituais nagôs, Oyó e Ijexá. Os nagôs, porém, seria a denominação dada pelos franceses a todos os negros que falavam iorubá. Aqui os de nação Oyó, Jêje e principalmente o Ijexá influenciaram na implantação dos rituais, das hierarquias, da adoração etc.

Devido a riqueza de conteúdo e à expressão mais nítida de suas origens, o Batuque que se apresenta no Rio Grande do Sul contém elementos e rituais diferentes dos Candomblés praticados na Bahia e em outras regiões do país. As tradições de nossa cultura africana são oriundas de aldeias longínquas da Nigéria, locais de difícil acesso aos caçadores de escravos, cujas atividades religiosas se diferenciavam das demais no próprio território africano.

A falta de um estudo profundo aliada ao fato do Rio Grande do Sul não ser um estado de grande expressão turística contribuíram para que não fossemos reconhecidos como um estado, também, pioneiro no que se refere ao culto aos orixás. Recentemente o IBGE divulgou uma pesquisa confirmando que o Rio Grande do Sul é o estado com maior número de adeptos da religião africana.

É visível a falta de investimento na cultura e uma melhor estruturação nos terreiros de ritual africano que tanto contribuem com a história do povo rio-grandense. Temos muitos terreiros fundamentados no axé, uma riquíssima cultura e não se tem um digno reconhecimento tal qual outros Estados da Federação onde temos um incentivo contínuo e investimentos que resultam no tombamento de importantes terreiros. Até mesmo a mídia local deveria contribuir buscando mostrar os acontecimentos positivos de nossa cultura, deixando de fazer sensacionalismo com os que adoram aparecer, distorcendo a verdadeira face da religião. É impossível no estado que contém o maior número de adeptos do ritual africano não ter uma estrutura cultural digna.

A Religião Africana tem um dos mais belos rituais do nosso planeta, é uma vastidão de ciência, que vamos envelhecer morrer e nunca vamos saber tudo da religião. Há diferentes conceitos sobre o culto aos Orixás, cada nação, cada região tem sua maneira particular de tratar e cultuar os santos, porém, o Xangô que está assentado nos terreiros do Rio Grande é o mesmo que está na Bahia, Pernambuco, etc.

Faço aqui uma exposição daquilo que herdei dos antigos sacerdotes de orixá do meu convívio. Tenho conhecimento de que um dos baluartes da Nação Ijexá no Rio Grande do Sul, foi pai Paulino de Oxalá. Homem de sabedoria profunda no culto. Teve entre seus filhos de religião o saudoso Pai Idalino de Ogum, Mãe Antonia de Bará e Pai Manézinho de Xapanã. Quando realmente o batuque ganhou espaço no Rio Grande do Sul, estes dois grandes líderes religiosos se destacam abrindo caminhos para a religião e a comunidade negra em geral. Pai Manézinho iniciou outros grandes sacerdotes, dos quais podemos citar alguns: Estela de Iemanjá, Ondina de Xapanã, Antonieta de Bará, Diva de Iemanjá, Ademar de Ogum, Miróca de Xangô, Nelson de Iemanjá, Ormira de Xangô entre outros. Do terreiro da saudosa mãe Ormira nasce outro grande conhecedor nos cultos africanos da Nação Ijexá e no ritual de eguns que é meu Babalorixá, Pai Tuia de Bará, afiliado de Pai Manoel Matias e filho consanguíneo de Nininho de Ogum, também, iniciado no terreiro Manézinho.

Além do Ijexá temos no batuque os rituais das nações Cabinda, Jêje, Nagô e Oyó. O Ijexá é uma das nações mais bem conservadas, principalmente suas rezas em Yoruba servem o ritual de todas as nações. Cada terreiro tem sua particularidade em fazer seus rituais, as vezes procedimentos essenciais em um terreiro não totalmente insistente em outros. Este fato é respeitado; é bom salientar que quanto mais conservarmos os rituais de nossa feitura mais será preservado a força de nossa nação, mantendo as tradições daqueles que nos passaram os ensinamentos. A Religião Africana que era exclusiva dos grupos negros descendentes de escravos mudou, se espalhou por todos os lugares e deixou de ser uma religião exclusiva do segmento negro, passando ser uma religião para todos; só que as velhas tradições, até alguns anos preservadas, infelizmente, com esta propagação deixaram de ser mantidas e corremos grande risco de num futuro bem próximo estarmos a mercê de gente que nada tem a ver com os cultos, que entraram para a religião por acharem bonita, interessante e uma boa fonte de ganho, não que para fazer os rituais não precise de dinheiro, precisa , mas não da maneira que estão fazendo. Antigamente um axé de Búzios e Facas eram dados a quem tinha DOM comprovado e que realmente aquele iniciado teria sido escolhido pelos Orixás, não ao contrário; só então teria argumentos para receber o aprendizado, o axé se recebia por merecimento, não era vendido. Por que hoje em dia se debandam uma porção de batuqueiros para a Igreja Universal entre outras? Muitas vezes estas pessoas estavam onde não deviam, pois quem é verdadeiramente do Santo já mais o abandona, por mais dificuldades que se passe não “se pula de galho em galho”. Há pessoas que pensam por ser do ritual africano não poderá ter nenhuma dificuldade na vida. O que diriam os nossos antepassados, que sofreram a violência no período da escravidão. Não existe, no Brasil, raça mais massacrada do que a do negro e mesmo assim os verdadeiros religiosos prosseguiram com sua fé nos Orixás. A culpa não é só desses que vivem saltitando religiões, é também dos sacerdotes que por qualquer queixa que recebem de um consulente já acabam iniciando-os, sem necessidade, contribuindo com o entra e sai nos terreiros, deveríamos fechar mais nossas portas a esses acontecimentos, muitas vezes com um simples axé se resolve os problemas de nossos semelhantes em dificuldades sem precisar colocá-los em compromisso. Ao pastor o que é do pastor e aos terreiros o que é dos Orixás.

A religião que antes encontrara condições sociais, econômica e culturais muito favoráveis, hoje privilégio de poucos terreiros, deixou de ser a religião dos pobres de todas as origens étnicas e raciais e passou a ser a religião das elites, não só no sul, mas em todo Brasil. A princípio a expansão da religião deveria ser para a conservação dos rituais, os antigos se manifestam temendo que aconteça ao contrário.

Há também o culto aos eguns. Este ritual é a parte mais melindrosa de nossa religião, não é uma coisa assim tão misteriosa, porém, não se faz este procedimento com frequência como fizemos para os Orixás. Hoje em dia todos querem ter o assentamento de Balê; antigamente só assentava o Balê quem tinha pai ou mãe de santo falecidos (dentro da Nação Ijexá), para poder ter um egum chefe dentro do Balê ou Igbale. As rezas de eguns também são no idioma yorubá, e difere-se muito das dos orixás. É importante que , aqueles que ainda detém conhecimentos no culto aos eguns passe aos seus descendentes religiosos, assim como os trabalhos, trocas, limpezas, rezas e outros fundamentos da religião africana. Nas décadas passadas quando um Babalorixá ou uma Yalorixá precisava passar uma limpeza ou fazer uma troca, enfim , qualquer tipo de trabalho os seus próprios filhos de religião estavam aptos para fazer, hoje em dia, muitas vezes tem que depender de sacerdotes de outros terreiros; e nem sempre se cai em boas mãos. Quando falecia um pai ou mãe de santo os filhos da casa eram quem faziam as obrigações de Arissum (èrìsún). Muitas vezes dependem de gente de outros terreiros para fazerem este ritual. Se morrer alguém da nação Ijexá é importante que o èrìsún seja feito por gente da mesma nação e assim por diante.

Outra particularidade dos terreiros de Batuque é no sentido de amparo aos seus seguidores. Não conhecemos outras religiões na qual seus sacerdotes participem em quase todo cotidiano de vida de seus adeptos. Dentro dos terreiros encontramos uma convivência familiar constante, idêntica, independente da nação de origem. Em outros cultos, o sacerdote reza, dá o sermão etc. o fiel vai embora e naquele local não se sabe as necessidades daquele crente. Os verdadeiros sacerdotes abrem seus terreiros, sabendo que ali aparecerá “até alma penada” pedindo auxilio. Ciente de sua obrigação com a comunidade o “pai ou mãe de santo”, participa constantemente dos problemas daqueles que frequentam o terreiro. Todos os momentos de alegrias ou de tristezas são vistos de perto pela família religiosa de nação, desde o nascimento até a morte de um ente querido da pessoa que faz parte do culto. Quando há uma gestação, são feitos os ritos necessários para o bom desenvolvimento do feto na intenção de nascer uma criança saudável. Na criação, o sacerdote também participa, fazendo de tudo para que aquela pessoa se desenvolva para o bem. Se há alguém enfermo, estamos juntos no leito de doença tanto em casa como dentro dos hospitais. Quando um filho está desempregado o sacerdote não sossega, fazendo aberturas para encaminhar para um bom trabalho. Se há alguém se desviando para o mal, é comum a irmandade se juntar nos trabalhos para recuperar este ser. Quando morre um filho de santo ou familiar deste, lá está o sacerdote encarregado de dar amparo a todos, sofrendo também esta perda.
E dependendo do grau de iniciação levam-se dias preparando os mais complexos rituais para encaminhar aquela alma. 
E mesmo com toda esta dedicação tem criaturas que após receber todo este amparo dá as costas, se distanciam daqueles bons sacerdotes e sacerdotisas que muitas noites de sono perderam em seu beneficio. Mesmo assim os terreiros de Orixá estão sempre abertos a todos sem distinção ou qualquer preconceito.

Rituais

O primeiro preceito a que uma pessoa se submete em um terreiro é a lavagem de cabeça com o Omieró ( água de segredo), feito com as folhas sagradas de cada orixá. A partir daí já é um iniciado, usará contas com a cor dos orixás de cabeça e suas passagens, e passará a fazer parte de algumas obrigações do terreiro.

Dependendo da situação o próximo ritual será o de assentamento do Eledá, mais conhecido como feitura de Borí ( dar de comer à cabeça, Orí). Esta obrigação é considerada a mais importante dentro dos ritos de iniciação, pois consiste em uma troca energética indispensável para ligar o individuo e seu orixá.

Ori, de modo geral quer dizer cabeça. Mais especificamente, é um ponto no alto da cabeça, normalmente identificável como “centro” do redemoinho formado pelos cabelos. Corresponde a um centro de força (chacra), o primeiro a surgir nas listas de pontos de entrada e saída de força energética em diversas culturas diferentes. No batuque, corresponde ao ponto principal do corpo de qualquer pessoa, pois é por onde entra e sai o fluxo de troca de energia que consiste ao culto dos orixás. É uma espécie de “portão” espiritual para o culto, sendo que quando alguém se inicia submete hierarquicamente essa passagem a um sacerdote e, principalmente, a um orixá, um arquétipo ao qual corresponde uma força energética emanada da natureza. Essa cerimônia de iniciação chama-se bori.
É na cabeça e no cérebro que reside a força principal de captação e re-emissão de axé, pois é nessa região que se determina qualquer tipo de comportamento, onde se pode reproduzir o conjunto de atitudes que correspondem às características psicológicas de um orixá, pois há uma estreita identidade entre a divindade e seu filho(a). É necessário reforçar o Bori depois de um período, de acordo com as necessidades e orientações do babalorixá ou ialorixá.

Após a feitura de bori o iniciado poderá fazer o assentamento dos orixás. Esse é o processo ritualístico pelo qual se liga a um corpo material o axé, a força mística de uma energia imaterial. Por redução, o termo utilizado para designar o objeto okutá (pedra), e símbolos (ferramentas) que representa o orixá. Os sacerdotes e seus auxiliares se envolvem em ritual secreto onde inúmeros procedimentos são feitos para que a energia mística do orixá fique concentradas nos objetos que o representam. Estes complexos rituais acabam por fazer a ligação objeto, no caso o okutá, individuo e orixá. Os obejtos sagrados ficam sob a guarda do babalorixá ou ialorixá e deverão receber reforços (obrigações de matança) de acordo com as determinações do próprio orixá. O iniciado necessita aprender todos os procedimentos ritualísticos para que no futuro, após um período mínimo de sete anos , receberá os axés de búzios e facas tornando-se um babalorixá ou ialorixá e poderá, se for a vontade de seu orixá, abrir seu próprio terreiro.

Um sacerdote que se designe abrir um terreiro tem a necessidade de conhecer profundamente os fundamentos da religião, quanto mais tempo permanecer envolto em seu terreiro de origem, mais experiências terá dentro do culto. É uma longa faculdade, onde o conjunto paciência, humildade e perseverança fará com que se forme um novo professor que terá que saber, além da tradição fundamental dos ritos, orientar os seres humanos na sua busca de equilíbrio energético, de troca espiritual com a energia viva que está na natureza, isto é,nos orixás. Essa orientação muitas vezes também se configura em conselhos referentes a assuntos mais terrenos, funcionando um pouco como uma espécie de psicólogo de grupo informal.

Entre o filho e o pai de santo se forma uma ligação espiritual que só a morte pode romper sem provocar desequilíbrio em nenhum dos dois. Mesmo assim, em caso de morte do pai de santo, o iniciado deve passar pelo ritual de “tirar a mão da cabeça”, ou seja o desligamento com seu ori, até então manipulada pelo falecido, evitando, assim, permanecer ligado a um egum.

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