Orixás da Nação Ijexá
No período da escravidão, os escravistas eram interessados exclusivamente na força de trabalho do africano, mas nos porões dos navios negreiros, além de músculos, vinham ideias, sentimentos, tradições, mentalidades, hábitos alimentares, rituais, canções, crenças religiosas, formas de ver a vida, e o que é mais incrível, o africano levava tudo dentro de sua alma, pois não lhe era permitido carregar seus pertences.
Da Nigéria e do Benin vieram as principais raízes dos cultos afro-brasileiros, o Candomblé da Bahia, o Xangô de Pernambuco, o Tambor de Mina do Maranhão e o Batuque do Rio Grande do Sul, os quais possuem fortes vínculos de origem com as crenças religiosas dos povos de língua iorubá e fon.
Em Ouida, onde ficava um dos grandes portos de embarque de escravos, os negros percorriam um caminho de cinco quilômetros da cidade até o porto. Neste percurso todo escravo que era embarcado, eram obrigados a dar voltas em torno de uma árvore. A árvore do esquecimento.
Os escravos homens deviam dar nove voltas em torno dela. As mulheres sete voltas. Depois disso supunha-se que os escravos perdiam a memória e esqueciam seu passado, suas origens e sua identidade cultural, para se tornarem seres sem nenhuma vontade de reagir ou se rebelar.
Mas, o escravo não esquecia nada, porque quando chegou aqui recriou suas divindades. Conseguiu refazer tudo aquilo que ficou para traz. Hoje, nos diversos estados brasileiros se tem verdadeiras ilhas de África, pois se mantém muito vivas as tradições religiosas iorubá e jêje. Devido à multiplicidade nas origens, a estruturação e a prática dos rituais tomaram formas diferentes em cada região do país.
No Batuque do Rio Grande do Sul, também, os religiosos pertencem a nações diversas, portanto, possuem tradições diferentes. Todavia, a influência da nação Ijexá é grande no conjunto dos rituais africanos executados nos terreiros de origem Jêje, Oyó e Cabinda.
Orixás
Orixás, regentes do mundo terrestre com várias definições a seu respeito, mas em princípio os Orixás são divindades intermediárias entre o Deus Supremo, Olorum, e o mundo terrestre. Foram encarregados de administrar a criação e a continuidade da vida na terra.
Os Orixás se comunicam com os seres humanos através de vistosos e complexos rituais. As estórias de cada um são conhecidas através das rezas (cânticos), suas comidas, no ritmo de seus toques, nas suas cores e seu domínio em determinadas forças da natureza.
Os Orixás estão subordinados a um Deus Supremo chamado Olorum ou Olodumare, mas não há nenhum culto ou altar dirigido diretamente à ele, o contato é feito através dos Orixás, seus intermediários.
Nossa tradição guarda o axé (força) de cada Orixá em um Okutá (pedra) que é colocada em uma vasilha junto a outras “ferramentas”, que ficam sob a guarda do babalorixá ou Yalorixá; mas a força maior está solta na natureza, apenas parte dela, simbolicamente fica no Okutá.
Nas cerimônias para convocar os Orixás, tradicionalmente, é através de cantos acompanhados com o toque dos tambores, com ritmos identificados para cada divindade.
As cerimônias são diversas, são ofertados presentes, comidas diferentes para cada um e sacrifícios que envolvem animais de quatro pés e aves; tirando a parte dos Orixás toda carne é consumida pelos participantes e membros da comunidade. Aos orixás rogam-se proteção, saúde, paz, em fim, pedidos específicos às necessidades de cada um em particular.
Os Orixás intercedem de acordo com o domínio que cada um exerce sua influência no aspecto da vida, como por exemplo, Bará para abrir os caminhos, Xangô para justiça, Oxum para fertilidade e assim por diante.
É magnífico poder escrever sobre a religião africana, mas há rituais muito particulares, nos quais alguns praticantes, não estão se preocupando em guardar o segredo, alguns estão colocando em público, rituais que os antigos levariam anos, até passarem para aqueles que mostravam sigilo absoluto, e que guardariam para confidenciar apenas aos seguidores de merecimento. Todas as religiões importantes do mundo doutrinam e ensinam, mas os maiores segredos um mestre só passa para outro mestre.
Existem aspectos cerimoniais que regulam o relacionamento dos serem humanos com as divindades. As regras são muitas, numa espécie de quebra cabeças, com começo, meio e fim, montado com interpretações simbólicas dos mitos que envolvem os orixás, e constituem uma grande rede interligada de deveres e direitos, obrigações e possibilidades, extremamente complexa e cheia de nuanças, inclusive possibilitando diversas variações que só quem é do meio pode saber e executar. A forma organizada na África deve ser perpetuada. Não temos o direito de mudar algo estabelecido a séculos, mesmo que queiram rotular nossos rituais de primitivos e ultrapassados, temos que procurar manter a força espiritual que envolve nossa religião, esta poderosa raiz deixada por nossos ancestrais.
Um caminho que nos faz ter contato com os orixás é através da incorporação; este é o processo pelo qual a entidade se manifesta em seu filho(a) que passou pelos mais diversos rituais de iniciação. Contudo há casos de incorporação de não iniciados. É possível uma pessoa estar assistindo um ritual pela primeira vez e se identificar com as forças espirituais energéticas referentes ao seu orixá, e ter esta manifestação espontânea.
Na maior parte, a manifestação dos orixás acontece em dias de festas. No batuque, nestas ocasiões, podemos falar; pedir auxílio, consultar, abraçar e ser abraçado por eles; em fim pode-se ter um contato direto com os orixás. Uma característica específica que diferencia o batuque das demais religiões afro-brasileiras é o fato do iniciado não saber, em hipótese alguma, que é incorporado pelo orixá. Esta peculiaridade provém de longínquas aldeias do interior da África, e faz parte dos rituais desde o início da estruturação da religião no Estado do Rio Grande do Sul a mais de duzentos anos.
Outro caminho que nos leva aos Orixás são os Búzios. A cerimônia do jogo dos Búzios é o instrumento usado no dia a dia para consulta aos Orixás. Através dele podemos receber orientações, conselhos e advertências.
Os Orixás cultuados no Batuque do Rio Grande do Sul são: Bará, Ogum, Oyá ou Iansã, Xangô, Ibêji, Odé, Otim, Obá, Ossãe, Xapanã, Oxum, Yemanjá e Oxalá.
BARÁ
Mensageiro divino, guardião dos templos, casas e cidades. É o dono de todas as portas, de todas as chaves e de todos os caminhos. É reverenciado em primeiro lugar em todos os terreiros de nação africana. Recebe suas oferendas nas encruzilhadas.
Se estiver atrapalhado, sem emprego, sem rumo, ou deseja realizar qualquer tipo de negócio se apegue com este Orixá, o Bará pode te dar a solução.
Não existe nenhum terreiro de tradição africana que não tenha o assentamento do Bará. Ele é o princípio e o fim de tudo, até após a morte de um iniciado na religião, o primeiro a receber ritual é o Bará.
Bará em Yorubá quer dizer força; se for bem tratado reage favoravelmente em prol de quem lhe oferendou. Olorum concedeu ao Bará o privilégio de receber as oferendas em primeiro lugar. Sem ele nossas orações não seriam ouvidas por nenhum outro Orixá, nem mesmo no orum.
O dia da semana consagrado ao Bará é a segunda-feira, sua cor principal é o vermelho.
Os Barás cultuados no Batuque do Rio Grande do Sul são:
BARÁ LODÊ: Exu Lodê tem seu assentamento feito do lado de fora do templo. Divide sua morada com Ogum Avagãn. É o Orixá que mantém a estrutura do templo; a sustentação dos terreiros depende do Bará Lodê.
BARÁ ADAGUE: Recebe suas oferendas nas encruzilhadas; seu assentamento é feito dentro do templo; é um dos mais requisitados, pois faz a frente de Ogum, Oyá, Xangô, Odé, Otim, Obá, Ossãe e Xapanã.
BARÁ LANÃ: Trabalha nos cruzeiros (encruzilhadas). Tem as mesmas atribuições do Bará Adague. Responde também nos cruzeiros de mato.
BARÁ AJELÚ: Este é o exu que faz a frente dos Orixás de água, Oxum, Yemanjá e Oxalá.
Além do epô (azeite de dendê) usa-se mel nas suas oferendas.
Ogum
Ogum é uma antiga divindade yorubá, senhor da guerra e do ferro; privilegiado com o dom de dominar os metais. Foi um dos primeiros Orixás a descer para a terra e encontrar habitação adequada para os humanos no futuro. Trabalhava dia e noite em sua forja para servir todos os humanos. Suas mãos hábeis transformaram tudo que foi colocado diante dele. Sua capacidade de criar surpreendeu os outros Orixás. Ogum também é ligado à agricultura, mas no Brasil é mais conhecido com deus dos guerreiros.
Ogum é a figura que se repete em quase todas as formas conhecidas de mitologia universal; é um dos mais cultuados especialmente por ser associado à luta, à conquista; assim como Bará é a figura mais próxima dos seres humanos que o invocam para vencer a constante luta cotidiana na terra.
Ogum, além de ser deus da metalurgia e da tecnologia, é o patrono da força produtiva que retrabalha a natureza, que transforma através do calor e das repetidas batidas um mineral bruto (ferro) no aço laminado e suas manifestações práticas (lança, escudo etc.), aplicadas por extensão, a qualquer transformação que o homem provoca na natureza para deixá-la, produtivamente, à sua disposição.
Ogum é considerado protetor de todos os guerreiros, e sua relação com os militares tanto vem do sincretismo realizado com São Jorge, o santo guerreiro católico, associado às forças armadas, como da sua figura de comandante supremo yorubá.
Enquanto Xangô julga o certo e o errado depois do fato consumado, Ogum é empreendedor e decidido, é o que faz justiça com as próprias mãos, jamais deixando para outro o que julga ser um problema seu. Quando irado, é implacável, apaixonadamente destruidor e vingativo. Quando apaixonado, sua sexualidade é devastadora, que não se contenta em esperar e nem aceita rejeição.
Fora da guerra, é um Orixá da alegria, da diversão, da delícia de viver, especialmente do contato com os amigos e camaradas etc.
No Rio Grande do Sul cultuamos várias qualidades de Ogum, entre eles estão o Ogum Avagãn, que tem seu assentamento junto com o Bará Lodê, e seus otás ficam do lado de fora do templo em uma casa individual; Ogum Onira ou onirê, que seria o rei da cidade de Irê; e Ogum Adiolà, que faz companhia aos Orixás de água, Oxum, Yemanjá e Oxalá.
Todos Babalorixás e Yalorixás têm que ter o assentamento de Ogum em seu terreiro, pois sem ele não poderiam fazer uso do axé de obé (faca) em seus rituais. Suas cores são o vermelho e verde, porém, alguns sacerdotes da antiguidade usavam também o azul marinho em seus fios de contas. O dia de Ogum é quinta-feira, e o sincretismo é com São Jorge.
Oya / Iansã
Oyá é a primeira entidade feminina a surgir nas cerimônias. Esposa de Ogum, largou-o quando se deixou fascinar pelo magnetismo de Xangô. Nesse ponto as lendas se dividem. Algumas atribuem à Iansã uma imensa e terrível paixão por Xangô, sentimento este que se manifesta através de sua eterna presença ao lado dele. Dado o seu caráter extrovertido, Iansã permanecia ao lado de Xangô não só no dia-a-dia cotidiano, mas também nas guerras, nas caçadas e qualquer outra situação. Há diversas lendas a respeito deste triangulo amoroso mais conhecido do batuque, de qualquer forma, a paixão de Ogum por Iansã sobreviveu à separação. De acordo com as diferentes interpretações, tornaram-se inimigos de morte por causa disso. Os duelos entre Ogum e Oyá constituem uma das cerimônias coreográficas mais bonitas dos terreiros brasileiros.
Além de Xangô, Oyá é o único orixá que não teme os Eguns, é a guardiã do reino entre a vida e a morte, é ela quem dá assistência na transição final; ela pode reter o espírito da morte ou chamá-lo adiante, ela é o último suspiro. Oyá rege os cemitérios e os mortos.
Ninguém quer enfrentar Iansã numa batalha por que ela é tão feroz e astuta como qualquer homem, nem um outro Orixá quer lidar com a ira de Oyá. Não há receios à Oyá, exceto Xangô.
Ela é conhecida por sua inteligência, independência, coragem, graça, sensualidade, poder e paixão intensa.
É dito e conhecido que Oyá é muito leal aos seus filhos e perigosa para seus inimigos. Ela pode vir tão suave e fresca como uma brisa de verão ou violenta e cruel como um furacão e causar devastação total em seu mundo.
Olorum deu à Oyá a responsabilidade a responsabilidade de limpar a atmosfera ao redor do planeta e proporcionar o equilíbrio de gases para sustentar toda forma de vida.
Embora Oyá seja forte e guerreira brilhante, ela também é bonita e elegante. Ela gosta do calor da batalha, tanto como Xangô, mas nunca perde sua feminilidade. Seu sincretismo é com Santa Bárbara; seus dias da semana são terça e quinta-feira e suas cores são o vermelho e o branco.
Xangô
Xangô é um dos Orixás mais populares no Brasil e na África. Divindade do fogo, do raio e do trovão. Representa a lei e a justiça.
Na mitologia, é atribuído a Xangô o reinado sobre a cidade de Oyó, na Nigéria. A imagem de poder está sempre associada à sua figura; não apenas o poder real, mas também o poder merecido, cujas determinações não podem ser questionadas, não apenas por seu autoritarismo, mas principalmente por sua credibilidade, sendo suas decisões consideradas tradicionalmente acertadas e sábias.
Xangô decide sobre o bem e o mal, possui a capacidade de inspirar a aceitação inconteste de suas decisões, tanto pelo seu poder repressivo como pela sua retidão e honestidade quase que inquebrantáveis.
Miticamente, o raio é uma de suas armas, que ele envia como castigo, nunca impensado ou arrebatado, mas após um processo onde todos os prós e contras foram pesados. Toda essa imagem faz com que Xangô seja associado, na natureza, à firmeza da rocha; duro e estável.
A popularidade de Xangô é tão grande que, em algumas regiões como Pernambuco, seu nome é utilizado para a designação de todo um culto.
Toda a gravidade e firmeza atribuídas a Xangô não o afastam das características humanizadoras que possuem outros orixás. Xangô teria como seu “ponto fraco” a sensualidade e o prazer. É apontado como uma figura vaidosa em muitas lendas e cantigas, tendo três esposas: Iansã, Oxum e Obá.
Uma lenda conta que Xangô era freguês do ferreiro Ogum. Ia frequentemente à sua casa, muito arrumado, lançando olhares sobre Iansã, que finalmente abandonou a casa de Ogum para ficar com seu conquistador. Mais tarde ele ficou fascinado pela beleza de Oxum e passou a persegui-la incessantemente. Algumas estórias contam que Xangô só não a violentou porque Exu o impediu. Outras versões dizem que Xangô, cavalheirescamente, se postou aos pés de Oxum, em prova do respeito que lhe despertava. Ainda existem versões que responsabilizam a Oxum por ter dominado a situação, ao impor a Xangô que dormisse a seus pés, evitando com sua determinação, a violência.
Qualquer das versões apresentadas atesta o caráter arrebatador de Xangô no amor, oposto à sua postura mais sólida nas demais questões.
O prato predileto de Xangô é o Amalá; suas cores são o vermelho e o branco, e o dia consagrado à Xangô no RS é a terça-feira. Seu sincretismo é com São Jerônimo e São Miguel Arcanjo.
Ibêje – Ìbeji
Divindades ligadas ao culto de Xangô e Oxum.
Ibêji são entidades cultuadas no batuque do Rio Grande do Sul, como entidades gêmeas que formam um único orixá, permanentemente duplo, formado por entidades distintas, que coexistem, representando o princípio básico da dualidade. São orixás crianças. Seu assentamento é feito em imagens esculpidas em madeira.
São orixás de grande prestígio em todos os cultos afro-brasileiros. A maior homenagem aos Ibêji consiste em uma mesa (toalha arreada no chão), na qual se serve somente crianças com até sete anos de idade. A à elas são servidos uma canja feita com as aves sacrificadas aos orixás Ibêji, doces, frutas, balas, pirulitos, em fim todas guloseimas que as crianças adoram.
As cores dos Ibêji são variadas, menos o preto; seu sincretismo é com São Cosme e São Damião.
Odé
Odé, Rei de Keto, o deus da caça, excelente pescador. Também conhecido pelo nome de Oxóssi, ao contrario dos Orixás que lutam contra outros exércitos, seu combate é mais cotidiano, nas matas, pelos animais que vão garantir a alimentação de sua família.
O conceito de liberdade e de independência em Odé é muito claro em sua personalidade básica.
Odé, jovem guerreiro, tem o temperamento forte, determinado, estratégico e empreendedor.
Como Orixá, sua responsabilidade principal em relação ao mundo é a garantia da vida dos animais, para que eles possam ser caçados e a alimentação dos seres humanos esteja assegurada.
Uma das lendas sobre Odé diz que em uma de suas caçadas ele foi enfeitiçado por Ossãe, apesar dos avisos de Yemanjá para que tomasse cuidado. Ficando, então sob o controle de Ossãe, ele afastou-se da família até que este encantamento fosse quebrado. Retornado para a mãe, Odé foi recebido por uma Yemanjá intransigente, irritada por não ter sido ouvida pelo filho. Rejeitado por ela, Odé voltou à floresta, para a influência de Ossãe, o que levou Ogum a se rebelar contra Yemanjá, censurando-lhe o comportamento para com seu irmão. Essa crise familiar foi responsável pelo descontrole de Yemanjá, que chorando desesperada, desmanchou-se em suas próprias lágrimas e transformou-se num rio que corre para o mar.
Como não poderia deixar de ser, o símbolo de Odé é um arco e flecha; usa também o bodoque e lança; sua cor é o azul marinho e seu sincretismo no Rio Grande do Sul é com São Sebastião.
Otim
Otim é um Orixá feminino, cultuado no Brasil, principalmente no Rio Grande do Sul. É o nome de um rio que corre entre Ilorim e Ibadã, na Nigéria.
Otim é a companheira inseparável de Odé, assim como este, usa arco e flecha para acertar sua caça e a lança para pescaria. Carrega na cabeça um Cântaro cheio de água utilizada em suas lidas cotidianas. Come toda espécie de caça, mas seu prato predileto é a carne de porco.
Otim faz parte do erumalé de quase todos os sacerdotes aqui no Rio Grande do Sul. Quem faz o assentamento de Odé é obrigado a fazer junto às obrigações de Otim.
Obá
Orixá feminino de origem nagô cultuada no Brasil, conhecida principalmente pelo fato de fazer parte nas lendas referentes a Xangô e suas três mulheres – Iansã, Oxum e Obá.
O conceito básico ligado à Obá é o da paixão, mas não na perspectiva controlada de Oxum nem na proposta feliz e libertária de Iansã, a deusa dos amores arrebatados e absolutos. Para Obá, paixão é razão de sofrimento, de disputa e de submissão mal-aceita.
Conta uma das lendas mais conhecidas a seu respeito que Xangô mantinha um relacionamento cheio de altos e baixos com Iansã, e que sua esposa favorita era Oxum. Obá era a terceira neste casamento polígamo, e nunca podia rivalizar com as outras duas antagonistas, mais cheias de brilho e força (Iansã) ou beleza e inteligência (Oxum).
Obá era insegura em relação a tudo que se relacionava com seu marido, pois era uma figura sem muitos atrativos físicos e um pouco seca e ríspida no seu comportamento diário. Era, porém, extremamente crédula, e, sabendo que Xangô apreciava muito as constantes receitas de culinária que Oxum lhe preparava, mostrou-se disposta a aprendê-las. Esta, contudo, dona de um caráter exclusivista, não estava disposta a ensinar à concorrente como agradar a Xangô, e resolveu enganar sua rival: marcou um horário para que Obá fosse à sua casa aprender a receita que teria poderes mágicos sobre a sexualidade de Xangô.
Quando Obá surgiu, Oxum cozinhava uma sopa que continha dois grandes cogumelos. Usava um pano amarrado à cabeça, escondendo as orelhas, e disse à Obá que estava preparando um caldo com suas próprias orelhas, pois essa era a receita favorita de Xangô. Obá, então, preparou uma sopa onde cortou e incluiu uma de suas próprias orelhas, e a serviu feliz para o marido.
Como era de se esperar, a reação de Xangô perante a imagem da esposa com uma orelha cortada foi tremendamente negativa; e piorou ainda mais quando ele viu o prato de comida que o esperava. Além de ser repreendida por Xangô, Obá ainda teve que suportar a troça de Oxum, que, descobrindo suas orelhas, revelou à rival que tudo tinha sido apenas um truque. Elas, então se engalfinharam numa terrível luta física, que só terminou com uma explosão de cólera da parte de Xangô; o que fez as duas fugirem apavoradas, cada uma para uma lado, transformando-as nos rios que atualmente levam seus nomes.
Obá responde pelos amores com perturbações, ciúme, desonra e falsidade. O corte, a navalha, a roda, a direção, as máquinas, agulha de costura, tesoura são de seu domínio. Come cabra mocha; sua cor é o marrom e o rosa, seu dia da semana é segunda-feira e seu sincretismo no batuque é com Santa Catarina.
Ossãe
Orixá masculino de origem ioruba, cultuado no Brasil. Ligado às florestas como Odé, Ossãe possui, entretanto, atribuições bem diferentes: cabe a ele cuidar das ervas medicinais e sagradas e, por correlação, de todo e qualquer conhecimento técnico mais aprofundado. Apresentado costumeiramente como uma figura reservada e misteriosa, transmite a seus filhos um grande equilíbrio nas decisões e certo distanciamento quanto aos amigos, além de notável eficiência no trabalho, onde atende tudo e todos com perfeição.
Sua ligação primordial é com a vegetação, com as plantas, mas não obrigatoriamente com os vegetais destinados à alimentação. Sua especialidade são as plantas medicinais, destinadas à cura e as cerimônias da religião, sendo sua presença indispensável para a realização de qualquer procedimento de iniciação ou de curas nos rituais africanos.
Segundo as lendas cada orixá tem suas ervas e folhas particulares, circunscritas a seu campo específico de ação, mas tal poder é restrito perto do controle total que Ossãe tem sobre esse tipo de conhecimento. Toda atividade de Ossãe é cercada de cuidados quase que ritualísticos. Ossãe é orixá extremamente poderoso, pois detém o saber que permite a realização da maior parte dos rituais.
Da mesma maneira que sua especialidade, apesar de muito importante, não faz parte das atividades cotidianas como a luta, a conquista, a comunicação ou a caça, constituindo-se mais uma técnica, um ramo do conhecimento que é empregado quando necessário – o uso ritualístico das plantas para qualquer cerimônia litúrgica como forma condutora da busca do equilíbrio energético. Também não faz parte do conjunto de lendas de Ossãe um número de relações familiares e amorosas de destaque. Geralmente é apresentado como um ser solitário, vagando nebulosamente pela floresta e não habitando nenhum lar específico.
No batuque do Rio Grande do Sul, sua imagem é representada por um ser sem uma das pernas. Faz uso de muleta para se deslocar, seu sincretismo em alguns terreiros é com São Roque, sua cor é o verde claro, e seu dia da semana é segunda-feira.
Xapanã
Xapanã é o orixá que detém o poder sobre a doença, tanto para causá-la como para curá-la. É uma entidade sombria, tida entre os iorubanos como ameaçadora e temível caso não seja devidamente cultuada.
Também é conhecido como omulu e Obaluaiê, cujos mitos e a própria figura são cercados de algum mistério. Em termos gerais Xapanã controla todas as doenças, especialmente as epidêmicas. É o “deus da varíola”, mas este conceito é uma evidente limitação, já que a varíola era uma das epidemias mais comuns e devastadoras da comunidade original africana onde ele surgiu, o Daomé.
Orixá de origem Jêje, posteriormente assimilada pelos iorubás, o que marca bem a diferença de comportamento básica: enquanto os orixás iorubanos são mais extrovertidos e passionais, alegres e humanos, as figuras daomeanas estão mais associadas ao conceito de castigo e punição, sendo sempre mais austeras no comportamento mitológico, mais graves e conseqüentes em suas ameaças; todas têm um potencial de repressão em relação aos seres humanos, muito mais explicito que as divindades iorubás, estas mais tolerantes.
Xapanã é orixá que se for bem cultuado pode levar seus seguidores a terem um padrão de vida muito elevado. No entanto, se os rituais realizados não estarem de acordo com os fundamentos, poderá levá-los a mais completa miséria.
Um feitiço ou um pó de Xapanã bem executado pode arrasar uma comunidade inteira. É o dono da ferida, da lepra e da miséria. Trabalha nos matos e cemitérios, é associado à morte e a terra. É o dono da vassoura e do espanador, é o orixá solicitado para fazer todo tipo de limpezas e levar embora as cargas negativas.
As cores de Xapanã são o vermelho, preto, lilás e o roxo. Seu dia da semana é quarta-feira e seu sincretismo em alguns terreiros é com Nosso Senhor dos Passos.
Oxum
Oxum é a Rainha da nação Ijexá. Sincretizada com diversas Nossas Senhoras ao longo do Brasil, Oxum manifesta uma delicadeza e juventude rara em outros orixás femininos. Responsável pela fertilidade e pelos recém-nascidos é, sobretudo conhecida por sua beleza, a qual as lendas adornam com ricas vestes e objetos de uso pessoal. Domina os rios e cachoeiras, imagens cristalinas de sua influência: atrás de uma superfície aparentemente calma podem existir fortes correntes e cavernas profundas.
Oxum é um orixá feminino bastante conhecido e cultuado no Brasil, onde sua imagem é quase sempre associada à maternidade, sendo comum ser invocada através de carinhosa expressão Mamãe Oxum.
Até mesmo em dias de festas, no batuque do RS, é nas rezas de Oxum que a maioria dos Orixás se manifestam. Principalmente da Oxum Docô, que auxiliou na criação da maioria dos filhos de Yemanjá.
Oxum é o nome de um rio em Oxogbo, província de Ibadã, na Nigéria. É também a morada da deusa que lhe dá o nome, sendo ela conhecida como a dona da água doce. Portanto, seu elemento natural é o leito dos rios e, especialmente, as cachoeiras, onde costumam ser-lhe entregues as comidas e os presentes.
Tem a seu cargo o dom da fertilidade, assim como Yemanjá. É a ela que dirige as mulheres que querem engravidar, sendo responsabilidade de Oxum também zelar pelas crianças que estão em gestação e pelas recém-nascidas.
Além dessas legações, Oxum é considerada a deusa da beleza,do ouro, do dinheiro, da riqueza, do amor, da aliança, do casamento, da felicidade, do perfume, da vaidade, do mel e tudo que é doce. Oxum é considerada uma das mais belas figuras físicas do panteão mítico iurobá.
Pela sua beleza, Oxum teria despertado muitos amores. Mas seu relacionamento mais importante foi com Xangô.
A cor que lhe pertence é o amarelo-ouro, seu dia da semana é o sábado e, é sincretizada com diversas Nossas Senhoras. Cultuamos no batuque do RS várias qualidades de Oxum entre elas a Pandá, Demum e Docô. No altar de Oxum, além das quartinhas, pratos, vasilhas com água e axés, costuma haver flores, perfumes, leques e até bonecas. É a figura da juventude eterna. Com seu jeito de criança inconseqüente que julga naturalmente merecer todos os cuidados e mimos.
Iemanjá
A Rainha das Águas é famosa em todo o Brasil pelos cerimoniais a ela dedicados nas praias por ocasião da passagem do ano. Boa parte dos brasileiros lembra-se de Yemanjá quando acontece a passagem do ano: é uma tradição ofertar presentes ao mar, a morada da deusa, e desse ritual participam pessoas que inclusive não têm maior ligação com a religião afro-brasileira.
Orixá feminino de origem iorubá. É uma das figuras mais conhecidas nos cultos brasileiros, já que suas festas anuais sempre movimentam um grande número de iniciados e simpatizantes tanto no batuque, candomblé e umbanda.
Na África, a origem de Yemanjá é um rio que vai desembocar no mar e que o formaria. É a mãe de quase todos os orixás criados originalmente na cultura iorubá.
Apesar de os preceitos tradicionais relacionarem tanto Oxum como Yemanjá à função da maternidade, pode estabelecer-se uma distinção nesses conceitos. Oxum é a mãe no sentido de fecundação, gestação e criação do bebê, enquanto este não aprende nenhuma língua, enquanto seus mecanismos de personalidade não estão definidos; Yemanjá, por sua vez, é mãe daí por diante, é a função de maternidade enquanto educação. É a mãe do jovem e do adulto, a figura materna que acompanha um ser humano toda a vida. Em todas as lendas Yemanjá nunca surge lidando com crianças, e sim com adultos, com os quais não hesita usar os típicos truques associados ás mães possessivas para manter os filhos consigo.
A cor de Yemanjá é o azul, o dia dedicado a ela no batuque é a sexta-feira, é sincretizada com Nossa senhora dos Navegantes. Ela é padroeira tradicional dos marinheiros, estendo-se essa proteção a praticamente todos os seres viventes, já que é a grande mãe do astral.
Oxalá
É o orixá mais querido e respeitado do panteão afro-brasileiro. O branco, símbolo tradicional da pureza é a cor de tudo que esteja ligado a Oxalá, o responsável, segundo a mitologia iorubana, pela criação e administração do mundo. Rege os demais orixás e, por conseguinte, os homens. Acima dele só Olorum, o deus supremo iorubá.
Oxalá é a figura paternal, calmo e sereno nos momentos mais difíceis; uma dignidade distante e certa tendência à centralização também fazem parte de sua imagem típica.
Segundo a maior parte dos ítans, ele é pai de todos os orixás. Filho direto de Olorum ou Olodumare, Oxalá representa o céu, princípio de tudo que, ao tocar o mar, na representação simbólica de um ato sexual, teria criado todos os outros orixás para que cuidassem dos seres da terra, os homens, cercados pelos céus e pelo mar de todos os lados.
Vários nomes são ligados a Oxalá. Na Nigéria prevalece o nome Obatalá. Em Oko, Orixaakô; em Ejigbo, recebe o nome de Oguinhã. Em todos estes locais, porém, é inquestionável seu posto de supremacia.
Existem diversos tipos de Oxalá, como acontece com todos orixás africanos, mas neste caso há um certo destaque para duas de suas formas, justamente Oxalá mais novo e o Oxalá mais velho.
Oxalá sempre é o último a ser reverenciado em todas cerimônias dedicadas aos orixás. Sua cor é o branco, seu dia da semana no batuque é o domingo. Oxalá velho é sincretizado com Divino Espírito Santo e Nosso Senhor do Bom Fim, e o novo com Menino Jesus de Praga.